sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Como o surdo era reconhecido no contexto mundial

Sabe-se, de acordo com os registros históricos, que o sujeito com surdez sofreu muita discriminação e rejeição da sociedade ouvinte, tratando-o muitas vezes como uma pessoa com deficiências mentais, não respeitando e nem reconhecendo sua língua.
Segundo Mazzota (1996), na antiguidade, especificamente para os romanos e gregos o surdo era tratado como um ser que não era capaz de pensar, não sendo  considerado humano.
Lopes (2007) aponta que no inicio do século XIV a educação era promovida pela igreja católica privilegiando apenas os nobres, com isso, os filhos surdos de nobres eram ensinados a falar para que confessassem seus pecados, e pudessem assim continuar com seus bens. A proclamação de fé só era aceita se o sujeito confessasse por meio da palavra oralizada, caso contrário, era considerada uma pessoa sem alma, portanto sem direitos sociais e que, na ausência de um parente mais próximo, a igreja se apropriava dos bens do surdo órfão.
Vê-se, portanto, que esta perda de poderes pesava mais do que as implicações religiosas ou filosóficas no desenvolvimento de técnicas para a oralização do surdo. A força do poder financeiro e dos títulos é que pode ser considerado um dos primeiros impulsionadores do oralismo que, de alguma forma, começava a se implantar neste momento e que estende até os nossos dias. (MOURA, 2000, p.18)

Lopes (2007) aponta que naquela época os surdos eram submetidos a diferentes processos, incluindo terapias e choques no ouvido, a fim de que aprendessem a falar para serem considerados normais. A história descreve cenas cruéis com os surdos, obrigando-os a aprenderem a falar para fazerem parte da sociedade, para receberem seus direitos. E pelo fato da igreja católica ter um grande papel na história da educação, foi por meio do ensino religioso que os surdos receberam suas primeiras instruções de saberes. No entanto, essa inclusão do surdo ao ensino de catequese foi privilégio apenas aos surdos filhos de famílias nobres.
Segundo o contexto histórico, a escola, e ou instituição de ensino, sempre teve o poder de controlar e moldar os sujeitos para um objetivo comum. Lopes (2007, p.40) aponta essa forma da escola agir, como tendo o objetivo de levar o aluno a agir com consciência, disciplina e responsabilidade em seu meio social.
Em específico a educação dos surdos não se difere muito da educação dos ouvintes.  Pois a classe dominante sempre direcionou o currículo escolar. Para Bourdieu e Passeron (apud Silva, 2001, p.41) a cultura dominante reproduz seus valores, seus gostos, seus costumes, seus hábitos, seus modos de comparar, de agir, em fim, a cultura dominante impõe sua ideologia e os valores e hábitos das demais classes, os quais não são considerados cultura. Entendendo assim, que a classe nobre de ouvintes impôs a característica de ensino aos surdos nobres, moldando-os segundo o que a sociedade esperava de um sujeito cidadão.
 Moura (2000) aponta que a primeira pessoa a acreditar na educação dos surdos, seja por meio da Língua Oral ou da Língua de Sinais foi Bartollo della Marca D´ Ancona, um advogado e escritor que passou a acreditar na possibilidade dos surdos se expressarem de outras formas a não ser pela língua oral.  Porém foi um famoso pedagogo, monge beneditino, chamado Ponce de Leon (1520- 1584) que investiu esforços para ensinar os surdos nobres. Sendo assim, outros surdos foram atraídos, segundo Lopes (2007) a estarem no monastério junto a Leon.  Mas vale ressaltar que o ensino era separado por classe social. Neste espaço os surdos se comunicavam entre si por meio de gestos, não considerados ainda como língua.
Também Ramirez de Carrion e Juan Pablo Bonet, dedicaram-se ao ensino de surdos descendentes de famílias nobres. Skliar (1997b, p.23) explica que Bonet trouxe nessa época a ideia do ensino de surdos individualizado a fim de que pudessem evitar possíveis distrações do aluno.
            Segundo Honora e Frizanco (2009) Bonet, um padre espanhol, seguidos dos ensinamentos de Ponce de Léon, foi o criador do alfabeto manual em 1620. Ele idealizava que cada som fosse substituído por um sinal gestual. No entanto, neste mesmo período existia uma forte crença de que era necessário o surdo ser oralizado para viver bem em sociedade. Ele publica um livro sobre a arte de ensinar o surdo a falar por meio da leitura orofacial e do reconhecimento dos fonemas lexicais, com o apoio do alfabeto digital (datilológico) e da escrita para ensiná-los a ler. Para aprender a gramática da Língua Francesa utilizava-se da Língua de Sinais como recurso. A leitura orofacial (LOF) dependia exclusivamente da habilidade de cada aluno e sua consequente predisposição para a melhoria de sua provável fala.
Dessa forma, o trabalho de Ponce Léon foi reconhecido por toda a Europa e serviu de modelo para outros defensores da educação oralista como: Pereire, nos países de origem latina, Amman da Alemanha e Wallis, das Ilhas Britânicas, que adotaram essa mesma abordagem oralista. (MOURA, 2000).

Podemos perceber, nas histórias acima apresentadas, que o oralismo tinha como argumentação, aparente a necessidade de humanização do Surdo, mas que, na verdade, escondia outras necessidades particulares de seus defensores que visavam o lucro e o prestígio social. A experiência de muitos destes educadores de surdos mostrou com passar do tempo, que a Língua de Sinais era a linguagem natural dos surdos e que deveria ser usada para a sua educação, mas o pressuposto básico que o surdo só seria um ser humano normal se falasse já havia espalhado e muitas escolas foram fundadas defendendo a oralização do surdo cada vez mais com um elemento necessário para sua integração. (MOURA, 2000, p.22). 

 O movimento para educar os surdos e ensina-los a falar, foi se espalhando por toda a Europa, Honora e Frizanco (2009), afirmam que em 1760 Abbé de L’Epée criou em Paris a primeira escola pública no mundo ensinando os surdos a língua de sinais, chamada de Instituto Nacional para Surdos-Mudos, contrariando assim os métodos de Bonet. Acredita-se que nesse período os surdos receberam maior atenção em sua educação, podendo aprender e realizar diversos ofícios de trabalho. “Os sinais que os surdos usavam espontaneamente ele chamou de língua de surdos, considerando-os sem gramática e sem utilidade na sua forma normalmente utilizada pelos surdos para o ensino da língua escrita. (MOURA, 2000, p.23).
Ainda conforme Moura (2000), L’Epée criou um método que consistia num sistema de sinais usado na mesma ordem da língua francesa, além de alguns sinais inventados para a primeira.  Com o objetivo de os alunos poderem sinalizar qualquer texto escrito ou escrevê-lo em francês quando fosse ditado em Língua de Sinais. Esse método representou e inovou a educação dos surdos, pois este educador foi o único que reconheceu os surdos como seres humanos, a partir de sua linguagem (a Língua de Sinais) e decidiu aprendê-la para conviver mais de perto com os surdos e depois de criar esse método. Além disso, L´Epée, lutou contra o ensino do oralismo para os surdos e o uso do alfabeto datilológico, desvinculado da Língua de Sinais.
 L´Epée usou diferentes recursos para arrecadar fundos financeiros e investi-los na Educação de surdos,  um desses meios era a realização de apresentações com seus alunos surdos, perguntando-lhes sobre a gramática da Língua Francesa e sobre religião, a fim desses demonstrarem suas habilidades cognitivas por meio da Língua de Sinais e de mostrar a eficiência de seu método.

Através dessas demonstrações que além de demonstrar a possibilidade de ensinar os surdos sem a utilização da fala, expunha também a “humanidade” assim obtida pelo acesso a palavra de Deus, L’Epée conseguia verbas para continuar seu trabalho. (MOURA, 2000, p.24).

Podemos perceber, nas histórias acima apresentadas, que o oralismo tinha como argumentação, aparente a necessidade de humanização do Surdo, mas que, na verdade, escondia outras necessidades particulares de seus defensores que visavam o lucro e o prestígio social. A experiência de muitos destes educadores de surdos mostrou com passar do tempo, que a Língua de Sinais era a linguagem natural dos surdos e que deveria ser usada para a sua educação, mas o pressuposto básico que o surdo só seria um ser humano normal se falasse já havia espalhado e muitas escolas foram fundadas defendendo a oralização do surdo cada vez mais com um elemento necessário para sua integração. (MOURA, 2000, p.22).
L’Epée faleceu em 1789 e seu trabalho foi esquecido por vários fatores, que foram desencadeados por uma fase turbulenta na história da França. Depois de L’Epée, já na Idade Contemporânea, Abbé Sicard (1742-1822) foi nomeado o diretor do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, ocupando o lugar do seu fundador. Sicard que faleceu precocemente, deixando por escrito duas obras referentes à educação dos surdos, uma sobre a gramática geral da Língua de Sinais e outra com detalhes de como conseguir educar um surdo. (MOURA, 2000).
Ainda conforme Moura (2000), a partir de então, começou a disputa pelo cargo majoritário, sendo que Jean Massieu havia tornado-se um excelente professor e era óbvia sua indicação para ocupar o lugar de Sicard. Porém Jean Marc Itard e do Baron Josefh Marie Girand, diretores administrativos do instituto desde 1814, que eram contrários ao uso da Língua de Sinais pelos surdos, não permitiram a nomeação de Massieu.  Sendo assim, Itard passou a educar os surdos fazendo uso do ensino somente por meio do oralismo.
 Como aponta Moura (2000) nesta época aconteceram diversas atrocidades com o sujeito surdo. Itard era médico cirurgião e iniciou o seu trabalho com os surdos atendendo um caso dentro do Instituto e tornou-se médico residente da instituição. Ele tinha como meta, erradicar as sequelas da surdez, mesmo que para isso fosse necessário tomar medidas drásticas ou violentas para “ajudar” seus pacientes a se livrarem “desse mal” representado pela surdez.
Por várias vezes, ele tentou alguns procedimentos sem resultados positivos, a fim de descobrir a causa da surdez e tentar saná-las. Furou a membrana timpânica da orelha de um de seus alunos, fraturou o crânio de outro aluno e infeccionou pontos atrás das orelhas de outros com esperança de descobrir a causa da surdez de tais alunos. “Nada disto funcionou e ele considerou que nada poderia ser feito por ouvidos mortos.” (MOURA, 2000, p.25).
Itard foi quem que pela primeira vez, afirmou que a surdez era uma doença e que as pessoas que dela sofrem são doentes e devem ser curados, ainda que para isso custasse o sofrimento e até a morte. A noção da “medicalização da surdez” surgiu com esse conceito, que ele atribuiu à cura da referida surdez e que ainda está presente nos dias atuais. (MOURA, 2000).
Medicalizar a surdez significa orientar toda a atenção à cura do problema auditivo, à correção do defeito da fala, ao treinamento de certas habilidades menores, como a leitura labial e a articulação, mais que a interiorização de instrumentos culturais significativos, como a Língua de Sinais. E significa também se por e dar prioridade ao poderoso discurso da medicina na frente da débil mensagem da pedagogia, explicitando que é mais importante esperar a cura medicinal- encarnada atualmente nos implantes cocleares- que compensar o déficit de audição através de mecanismos psicológicos funcionalmente equivalentes. (SKLIAR, 2000, p.111).
Até 1880 os surdos faziam uso da leitura labial e de gestos nas séries iniciais, porém, a partir do das decisões tomadas no II  Congresso Mundial de Surdos-Mudos realizado em Milão, foram proibidos os gestos e adotado o método oral puro. Tal determinação se baseou na concepção de que o sujeito surdo-mudo precisava aprender a falar para que conseguisse aprender a escrever. Condição única para que participasse do ensino escolar Soares (1999). Vale destacar que não houve participação efetiva e nenhuma votação do sujeito surdo para escolha do melhor método de aprendizagem e comunicação.
Honora e Frizanco (2009, p 25) destacam que:


“Os Surdos, muitas vezes, foram usados, deslocados e colocados sem situações de desconforto social que lhes causou muito sofrimento e tudo isso muito mais por não serem usuários de uma língua oral do que por serem Surdos.”



SATURNO, Helvia Cristina de. Estratégias de avaliações externas e internas da aprendizagem do aluno surdo: Inclusivas ou excludentes? Como avaliá-las? 2013. Trabalho de Conclusão de Curso- Curso de Pedagogia da Universidade São Francisco, Itatiba.

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