quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Histórias da Inclusão

 
            Para situar o contexto atual da inclusão escolar de alunos com deficiência nas escolas no ensino regular, é importante percorrer a trajetória e o histórico da inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na sociedade.
            A educação especial no Brasil foi crescendo de maneira tímida no fim do século XVIII e começo do século XIX, a fim de proporcionar serviços para as pessoas com deficiência dentro das estruturas sociais, sanitárias, educacionais e de trabalho existentes na sociedade. Assim, tornou-se necessário que pesquisadores e educadores concentrassem esforços para discutir e pesquisar esse tema em todos os níveis e modalidades de ensino.
              Antigamente, a sociedade tinha uma visão da deficiência que acabou sendo acarretados através dos séculos, influenciando o modo como esses sujeitos eram vistos e tratados. Desde a seleção natural da biológica dos espartanos – que “eliminavam” as crianças malformadas ou deficientes - passando pelo conformismo piedoso do cristianismo, até a segregação e marginalização operadas pelo “exorcista” e “esconjura dores” da idade média, a perspectiva da deficiência andou sempre ligada a crenças sobrenaturais, demoníacas e supersticiosas (FONSECA, 1995 p.08).
            Alguns autores como SILVA, SEABRA JR. e ARAÚJO (2008, p.20), relatam que na época da colonização brasileira, não era possível contabilizar o número de crianças que nasciam aleijadas, cegas, surdas, mudas, e “coxos”, pois nas tribos indígenas eram sacrificadas, por serem julgadas seres imperfeitos e sendo desta forma não tinham o direito de permanecerem vivos.         Sendo assim, a religião colocava o homem como “a imagem e semelhança de Deus”, como ser perfeito, sendo improvável a idéia da condição humana como incluindo imperfeição. E as pessoas com deficiência (ou imperfeições) não sendo parecidos com Deus eram postos à margem da condição humana. Neste consenso social pessimista, tendo a idéia de condição de incapacitado, deficiente, inválido, uma condição inalterável, levou a uma completa omissão da sociedade em relação à organização de serviços para atender às necessidades individuais específicas dessa população (MAZZOTTA, 2001). Jannuzzi (2004, p. 8) afirma esta ideia dizendo que “poucas foram às instituições que surgiram e nulo o número de escritos sobre sua educação”.
            O atendimento aos deficientes teve seu início através das Câmaras Municipais ou das confrarias particulares durante a fase da institucionalização, em que os indivíduos que apresentavam deficiência eram segregados e protegidos em instituições residenciais, ou seja, as pessoas com deficiência eram vistas como incapacitadas para qualquer circunstância. As entidades responsáveis pelos atendimentos realizavam prestações de serviços visando interesses próprios, sendo eles por motivos religiosos e/ou filantrópicos, e não para garantir os direitos de cidadania para os deficientes. Há de ressaltar também que estes serviços na maioria das vezes não tinham uma supervisão adequada e a qualidade era péssima (JANNUZZI, 2004).
            Uma das unidades que surgiram no Brasil foram as Santas Casas de Misericórdia localizadas em São Paulo, que a princípio distribuíam esmolas para os pobres, dotes às órfãs e prestamento pagos de serviços funerários. Estas unidades passaram a acolher crianças abandonadas com idade de sete anos a partir do ano de 1717 sem qualquer ajuda de profissionais especializados. Em seguida, começaram a acolher também crianças que apresentavam algum tipo de deficiência física ou mental. As condições de higiene do local eram tão péssimas que colocavam em risco a própria saúde das pessoas que eram atendidas. Mitos da época relatam que estas eram expostas a lugares repletos de bichos que em muitas causavam doenças que as levavam a morte (JANUZZI, 2004, p.9).          
            Na metade do século XIX são enviadas para o Brasil algumas religiosas para a administração da educação dessas crianças. As religiosas eram as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paula, buscando transmitir para as crianças alguma educação, transmitir algum conhecimento, e não somente dar-lhes o alimento (JANNUZZI, 2004). Estas instituições se responsabilizaram, principalmente, pelo atendimento dos deficientes mentais órfãos atuando como manicômios (SILVA, 2008, p.18).
             Miranda (2006, p. 2) coloca que      
A defesa das possibilidades ilimitadas do indivíduo e a crença de que a educação poderia fazer uma diferença significativa no desenvolvimento e na vida das pessoas aparecem no movimento filosófico posterior à Revolução Francesa. Desse momento em diante o conceito de educabilidade do potencial do ser humano passou a ser aplicado também à educação das pessoas que apresentavam deficiência mental.      
               
            No Brasil as primeiras instituições criadas para o atendimento das pessoas em condição de deficiência se voltaram para o atendimento das pessoas surdas e cegas. O primeiro instituto para cegos foi fundado no município da Corte (Imperial Instituto dos Meninos Cegos) no ano de 1854, e anos depois o Instituto para Surdos - Mudos (Imperial Instituto dos Surdos - Mudos) em 1857, ambos no Rio de Janeiro, por meio de decreto imperial (JANNUZZI, 2004).
            No início, esses institutos ofereciam abrigo e proteção no sistema de internato, porém essas instituições governamentais não foram suficientes para atender o número de deficientes existentes, “o atendimento era precário, visto que em 1874 atendiam 35 cegos e 17 surdos numa população estimada de 15.848 cegos e 11.595 surdos” (JANNUZZI, 2004). Ou seja, essas instituições não tinham estrutura nenhuma para o atendimento dessas crianças e a educação desses deficientes acabou não sendo considerada como algo importante a ser resolvido e,  portanto deixada ao esquecimento. Sassaki (1999) denomina esse período de segregação institucional, pois as pessoas com deficiência eram excluídas da sociedade e da família e as instituições responsáveis pelo atendimento, como já mencionado, tinham seus motivos religiosos ou filantrópicos próprios e pouco preparo e condição para fornecer um serviço de qualidade com a devida atenção aos atendidos.
            Foi neste contexto, que surgiu em muitos países desenvolvidos, a “educação especial” para criança deficiente, que era administrada por instituições voluntárias, em sua maioria religiosa, onde algumas dessas crianças passavam a vida toda nessas instituições. Surgiram às escolas especiais, assim como os centros de reabilitação e as oficinas protegidas de trabalho, assim como a sociedade, começaram a admitir que pessoas deficientes pudessem ser produtivas se recebessem escolarização e treinamento profissional. Estas escolas visavam preparar pessoas com deficiência para integrá-las ou reintegrá-las a vida da comunidade. Foram implantados também os serviços de Reabilitação Profissional, embora não exclusivamente voltados as pessoas com deficiência.
            De acordo com Aranha (2004, p.12)
Nos anos 60 e 70 grande parte dos países, tendo como horizonte a declaração universal dos direitos humanos, passou a buscar um novo modelo, no trato da deficiência. A proposição do princípio da normalização contribuiu com a idéia de que as pessoas diferentes podiam ser normalizadas, ou seja, capacitadas para vida no espaço comum da sociedade.
            A partir da década de 80 em diante, novos experimentos e transformações iniciaram. Avanços na medicina, novos conhecimentos na área educacional, em especial como a criação via eletrônica por comunicação em tempo real com qualquer lugar do mundo, determinando novas formas de transformações sociais.
            Segundo Aranha (2004, p. 12)                                                        
Por um lado, maior sofisticação técnico-científico permite manutenção da vida e o maior desenvolvimento de pessoas que, em épocas anteriores, não podiam sobreviver. Por outro lado, a quebra da barreira geográfica, na comunicação e no intercâmbio de idéias e transações, plantava as sementes da “aldeia global”, que rapidamente foram germinando e definindo novos rumos nas relações entre países e sociedades diferentes.
            A diversidade caracteriza-se em um grupo de diferentes sociedades e da população de uma mesma sociedade. Pensando na mesma perspectiva, Sassaki (1999), denomina este período de integração. Nessa fase de integração surgiram as classes especiais dentro de escolas regulares, isso ocorreu não por motivos humanitários, mas para garantir que crianças deficientes não interferissem no ensino ou não “sugassem” as energias do professores. Foi nesta fase que se iniciou o procedimento de aplicação de teste de inteligência para identificar e selecionar crianças com potencial acadêmico.
            O conceito de Inclusão ocorreu já no final da década de 80. Os pioneiros na implantação de classes inclusivas e de escolas inclusivas foram os países desenvolvidos como EUA, Canadá, Espanha e a Itália. A maioria da literatura pertinente às práticas inclusivas na educação surgiu na década de 90, com relatos de experiência que vem ocorrendo a partir do final dos anos 80 aos dias de hoje, (SASSAKI, 1999).
             A partir da década de 90, começou a constatar-se que a diversidade enriquecia e humanizava a sociedade, quando respeitada e reconhecida e que poderia atender em suas particularidades. Ficou evidente que a conservação de segmentos populacionais minoritários em estado de segregação social, mesmo que em processo educacional ou terapêutico, não condizia com o respeito aos direitos de acesso e participação no espaço comum da vida em sociedade. Começou a se pensar na ideia da necessidade de construir espaços sociais inclusivos, ou seja, espaços sociais que atendessem o conjunto de característica e necessidades de todos os cidadãos, inclusive daqueles com necessidades educacionais especiais.
             Este novo modelo foi denominado paradigma de suporte, era associado a idéia da diversidade como fator de enriquecimento social e respeito às necessidades para todos os cidadãos, pois garantia o acesso imediato e favorecimento à participação de todos nos espaços sociais, independentes das suas necessidades educacionais especiais, do tipo de deficiência e do grau comprometimento que estas apresentam (SASSAKI, 1999). Segundo Aranha (2004, p. 13)
O Brasil tem definido políticas e criado instrumentos que garantem tais direitos. A transformação dos sistemas educacionais tem se efetivado para garantir o acesso à escolaridade básica e a satisfação das necessidades de aprendizagem para todos cidadãos.
                                       
            Sassaki (1999) complementa esta ideia relatando que em 1991, uma pequena parte da população de muitos países se conscientizou da necessidade da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade para que estas pudessem ter participação plena e de igualdade de oportunidades. Esse novo paradigma que visava adaptar a sociedade às pessoas e não as pessoas à sociedade foi inspiração para o lema tema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (Participação Plena e Igualdade).
            No Brasil, a inclusão foi iniciada a partir da década de 90. A política de inclusão indicava naquele momento que os sistemas educacionais passariam a ser responsáveis por criar condições para uma educação de qualidade para todos e que fariam adequações que atendessem às necessidades educacionais dos alunos. Sassaki,(1999) referindo o paradigma da inclusão a partir da década de 90.
[...] esse paradigma é o da inclusão social as escolas (tanto as comuns como especiais precisam ser reestruturadas para acolherem todo espectro de diversidade humana representado pelo alunado em potencial, ou seja, pessoas com deficiências físicas, mentais, sensórias ou múltiplas, em qualquer grau de severidade dessas deficiências, pessoas sem deficiências e pessoas com outras características típicas. [...] É o sistema educacional adaptando-se às necessidades de seus alunos, escolas inclusivas, mais do que os alunos adaptando-se ao sistema educacional escola integrada.
            Outra declaração fundamental com a qual o Brasil estabeleceu compromisso foi a Declaração de Salamanca, fruto do trabalho da Unesco que tinha como diretrizes estabelecer a inserção da criança com necessidades educacionais especiais no ensino regular. Nesta declaração o foco situa-se justamente na população alvo da inclusão escolar, que são as crianças com deficiências. Esta declaração culminou no documento das Nações Unidas – “Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com Deficiências”, o qual requer que os Estados assegurem a educação de pessoas com deficiências como parte integrante do sistema educacional (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA (2003, p.1). Este documento foi fundamental para que se iniciasse e se providenciasse os instrumentos de atendimento para crianças com necessidades especiais.
            No Brasil esta declaração certamente serviu como fio condutor do que viria a se consolidar como “Política Nacional para Inclusão das Crianças com Necessidades Especiais” e na elaboração de todas as leis relacionadas à educação especial. O Brasil assumiu, portanto, compromisso frente a estas duas declarações internacionais e é nítida a presença destes princípios nas leis brasileiras e nas diretrizes do MEC (Ministério de Educação e Cultura). Outro documento internacional que engloba a questão da inclusão e proíbe a discriminação em razão de deficiência é a “Convenção da Guatemala”. Esta convenção interamericana de 1999, também assinada pelo Brasil, prevê a eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência.
            Foram inseridos também alguns artigos em leis brasileiras. A Constituição é uma delas, o Artigo 208 traz “o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino[...]”. Em 1989, estabeleceu a matrícula de pessoas deficientes capazes de se integrarem no sistema regular de ensino. (MARTINS, 2008)
            Por parte do governo brasileiro houve uma iniciativa para apoiar a construção de um sistema educacional inclusivo ao concordar com documentos firmados na Tailândia, em 1990, e na Espanha, em 1994. Este documento é de suma importância mundial, pois prioriza o aprimoramento dos sistemas educacionais para se tornarem aptos a incluir a todos, sem exceção, dando ênfase especial às crianças, pois:
·         cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprios;
·         as pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas comuns que deverão integrá-las numa pedagogia centralizada na criança, capaz de atender a essas necessidades;
·         as políticas educacionais deverão levar em conta as diferenças individuais e as diversas situações.
[...] todas as crianças, sempre que possível, possam aprender juntas, independente de suas dificuldades e diferenças[...] as crianças com necessidades educacionais especiais devem receber todo apoio adicional necessário para garantir uma educação eficaz (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.23).
            A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- lei nº 9.394/96 preconiza, no artigo 59, que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos: currículo, método, recursos e organização específica para atender às suas necessidades; terminalidade específica àqueles que não atingiram o nível exigido para conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; a aceleração de estudos às pessoas com altas habilidades/ superdotados para conclusão do programa escolar. (MARTINS,2008).
             Nas leis brasileiras são apontadas a necessidade da construção de escolas inclusivas de ofertar uma educação para todos independente de suas necessidades ou diferenças, essas legislações são bem avançadas comparadas com outros países, porém esses dispositivos legais, por si só, não define sua efetivação, depende de como ela é ministrada na realidade escolar. Portanto, os sistemas escolares precisam buscar meios eficaz para garantir um ensino de qualidade para todos, que possa atender a diversidade sem discriminação. (MARTINS, 2008).
            As barreiras encontradas nas escolas ainda são muitas que impedem o acesso e a permanência, com qualidade, de muitos alunos com deficiência, entre elas estão às físicas, pedagógica e atitudinais. Já as leis, as declarações e as convenções citadas acima garantem o acesso de pessoas com necessidades educacionais especiais a escola de ensino regular, porém a atual realidade brasileira da inclusão escolar debruça sobre desafios e dificuldades encontradas perante o novo paradigma da educação, que estabelece o acesso e permanência dos alunos com algum tipo de deficiência
 
SANTOS, Helena Priscila. Inclusão Escolar: as dificuldades encontradas pelos professores na inclusão de alunos com deficiência. Monografia - USF - 2011. 
 

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